“Esse prêmio é a melhor maneira de homenagear o César” – Emma Otta, docente do Instituto de Psicologia da USP
Esse prêmio é a melhor maneira de homenagear o César, ele estava profundamente comprometido com o debate dos desafios do futuro da Psicologia. O seu relatório de gestão como diretor do Instituto de Estudos Avançados, no período de 2008 a 2011, é primoroso e mostra a importância que ele dava para a aproximação de pesquisadores e para discussão de perspectivas e ideias pertinentes para a Universidade e para o País.
Ele estava engajado na causa do conhecimento e da Universidade, mas também estava engajado em questões sociais. Lembro que ele criou no IEA, como já foi dito aqui, grupos de pesquisas sobre temas atuais da educação, da Psicologia Socioambiental e de Diálogos Interculturais, que estavam coordenados por Psicólogos.
Os temas, as políticas públicas e o futuro da Psicologia, contribuições da Psicologia na construção do conhecimento do Século XXI, a Psicologia Latino Americana, desafios e possibilidades, certamente seriam considerados pelo César como centrais para os desafios do futuro da Psicologia.
César foi meu orientador de Mestrado de 1975 a 1979, oficialmente eu sou a primeira orientanda de Mestrado, extra oficialmente eu sou a segunda porque ele orientava o Lino então como o co-orientador. Acho que o Lino era orientando da Dona Carolina. Ele foi meu orientador de Doutorado também de 1980 a 84, naquela época era tudo muito longo, no Instituto de Psicologia da USP.
Nós trabalhamos juntos ministrando a disciplina Motivação e Emoção por mais de 30 anos no curso de Graduação em Psicologia. E mais recentemente, a partir de 2009 nós ministramos também a disciplina Motivação em Sala de Aula, que surgiu como uma disciplina aplicada à licenciatura, a partir da experiência adquirida na disciplina básica. E ele compareceu dando aulas nessa disciplina ainda esse ano, embora ele estivesse iniciando a licença prêmio.
Quando ele faleceu eu era diretora do Instituto de Psicologia, gestão de 2008 a 2012 e estava concluindo então a gestão. O César já havia concluído a sua gestão como diretor do Instituto de Estudos Avançados e nós dois estávamos fazendo planos de atividades conjuntas, nós estávamos muito entusiasmados com os laboratórios didáticos, recém-inaugurados, em 2011, para realização então da parte prática das disciplinas das áreas básicas e o César de muita razão de se orgulhar desse projeto porque ele havia sido iniciado, o planejamento havia sido feito na sua gestão, como diretor, de 2000 a 2004, foi implementado na gestão da professora Maria Helena Pato, 2004 a 2008, e a obra foi finalizada na minha gestão, 2008 a 2012 e coube-me então a inauguração.
Nós fizemos muitos projetos e finalmente com apoio da Reitoria da USP, de agências de fomento, FAPESP, CNPq e Capes, estamos conseguindo equipar o laboratório didático da área de Etologia. Podemos oferecer agora aos nossos alunos modernos softwares de apoio à observação do comportamento e modernos equipamentos de registro e análise de comportamento.
O César estava planejando pesquisa sobre expressão de emoções. Nós tínhamos uma reunião marcada, que infelizmente não se realizou para conversarmos sobre as práticas de pesquisa que podiam ser interessantes para os alunos.
César foi velado no dia 15 de março de 2012, no mesmo salão da biblioteca do Instituto em que anualmente, no final de novembro os alunos da disciplina motivação em emoção apresentam em forma de pôster os resultados das pesquisas que fazem durante o semestre. Esse mini congresso que o César organizava sempre com muito entusiasmo costuma atrais alunos de outras turmas e usuários da biblioteca.
Vai ser difícil esquecer o dia 15 de março de 2012, mas eu mantenho vivas na minha lembrança as imagens dos momentos felizes, dos muitos mini congressos que foram realizados nesse mesmo local. No e-mail que ele me mandou no dia 18 de fevereiro de 2011 ele comentou: “O nosso curso tem tido um papel de excepcional relevância na parte prática para o aluno de Psicologia, no texto publicado no primeiro números de Psicologia, Ciência e Profissão ressaltei que o treino de pesquisa era um treino de compreensão. Os projetos que os alunos têm feito ao longo de muitos anos da disciplina constituem um motivo de contentamento, através deles, e sempre foi essa a ideia, visava-se dar ao aluno o senso de pesquisa em Psicologia, desmistificar estereótipos relativos à experimentação, mostrar que é possível ser até certo ponto rigoroso em assuntos interessantes”.
A história do desenvolvimento da Etologia brasileira no Instituto de Psicologia da USP se funde com a história de César Ades, quando César estava fazendo a sua graduação ele ingressou em 1961 e formou-se em 1965, as aulas eram dadas no palacete da Alameda Gletti, e o César, além de conviver no palacete, ele passava muito tempo no porão estava instalado o primeiro laboratório de Psicologia Animal do professor Walter Hugo de Andrade Cunha e o professor César teve a oportunidade então de estudar com o fundador da Etologia no Brasil e terminada a sua graduação, ele fez a orientação do professor Walter, o seu Doutorado a respeito da teia e caça da aranha Argiope argentata.
Parecia inconcebível para os pioneiros que exposições livrescas sobre metodologia científica pudessem ser substitutos adequados para a prática de laboratório. Havia uma estreita convivência e debate de ideias entre alunos, entre alunos e professores.
Quando César estava no 3º ano do curso de Graduação ele nos lembra que, sentados à mesa do seminário, em reuniões a parte que marcávamos a noite, Walter, Arno Engelman e eu discutíamos o modelo teórico de Miller Galanter e Priberam no livro Plans Extractor ob River em Prenúncio do Cognitivismo. Fernando Leite Ribeiro, katsumasa hoshino, Alcides Gadote, eu e o César planejamos um experimento sobre mapas cognitivos de ratos, de inspiração tomaniana, muito mais tarde realizado.
Em duas salinhas eu instalei um biotério improvisado e meu primeiro laboratório, no qual fui investigando com curiosidade a natureza do comportamento exploratório. O espaço era pouco, mas extraordinária a densidade de ideias, não nos abandonavam um instante o senso de conquista intelectual. Isso César escreveu em 2004. Os laboratórios do porão do palacete da Alameda Gleti mudaram inicialmente para novas instalações da cadeira de Psicologia, na Rua Cristiano Viana, entre 67 e 69, e depois pega o Barracão B10, na cidade universitária, com a saída da faculdade de filosofia da Rua Maria Antônia, após os incidentes estudantis de 1968. Só em 2011 foram integrados ao conjunto de prédios da Psicologia. Alunos do professor Walter Hugo difundiram a Etologia no Brasil, César adquiriu renome internacional e teve importante papel na divulgação da Etologia no Brasil, como foi já apontado.
Ele organizou a 28ª International Ethological Conference, em 2003, por exemplo, além de todas as coisas que já foram ditas sobre ele. Em 2009, ao encerrar seu discurso de posse para a cadeira número 19 da Academia Paulista de Psicologia, intitulado Explorando o Comportamento Animal, o professor César Ades resumiu o seu legado. Ressalto darwinianamente a importância de uma epistemologia que situe os assuntos psicológicos num contexto mais amplo, que é o da biologia e do pensamento revolucionário.
Não há receita para essa integração, ela surge quando especialistas de áreas diversas percebem que sua compreensão será mais abrangente e criativa se for de convergência. Destes esforços parciais é que depende uma construção mais ampla e uma reanálise dos esquemas teóricos, uma epistemologia colocada em dia. Esta é a minha mensagem. César nos disse em 2009.
O programa do 7º Congresso Nacional de Psicologia realizado em 2010 sobre o tema Psicologia e o Compromisso com a Promoção de Direitos, um projeto ético, político para a profissão, nos aponta os desafios para a Psicologia do século XXI. César deu a sua contribuição para esse projeto como professor e pesquisador, despertando o prazer investigativo nos seus alunos.
Aprendi com ele que capacitando alunos para investigação formamos profissionais capacitados para colocar em prática a dúvida sistemática, desconfiando de certezas pré-concebidas e capazes de superarem então divisões teóricas desnecessárias. Os nossos estudantes são naturalmente curiosos, gostam de desafios e são socialmente engajados, saberão transformar o prazer investigativo em ferramenta de atuação profissional, o que lhes garantirá um papel destacado na profissão e sucesso nas suas metas pessoais.
Será condição também para o sucesso da Psicologia no século XXI. Alunos como Elder Gusso e Gabriela Andrade da Silva, cujo depoimento reproduzo parcialmente agora, tiveram privilégio de ter convivido com o professor e pesquisador César Ades. São jovens Psicólogos como eles que saberão enfrentar os desafios da Psicologia do Século XXI.
Então, diz o Elder Gusso: “Há pessoas que nos deixam marcas, entre elas ainda as que deixam marcas profundas que nós levamos por toda a vida. Ainda lembro muito bem do momento em que entrei em contato com o professor César Ades, eu era ainda um calouro de Psicologia quando fui apresentado à Etologia e ao estudo dos comportamentos típicos da espécie.
Posso afirmar que a Etologia foi na primeira coisa que me despertou a paixão pelo estudo do comportamento. Era fascinante observar as características de cada espécie, como o processo de seleção natural que deu forma às espécies que nós conhecemos hoje e quanto isso poderia ajudar a compreender o nosso próprio comportamento como bicho homem.
Foi nesse período que tive contato com alguns artigos do professor César Ades que abriram as possibilidades de compreender o estudo do comportamento em uma perspectiva das Ciências Naturais, com muito rigor e também com muito amor. Os seus textos sempre são muito claros e bem escritos e também sempre foram recheados com pitadas de bom humor”. Piadas também. Então, o Elder fala de alguns textos do César, um deles intitulado Freud, as Enguias e a Ruptura Epistemológica. Só o César para dar esses títulos e despertar em nós o gosto da leitura.
Agora eu trago um trechinho da Gabriela: “Um dia César me chamou junto com um grupo de alunos de graduação para uma reunião na Diretoria, eu pensei, o que será que ele quer? Serviram café, eu não gostava, mas aceitei e gostei, até hoje tomo. E o que ele queria? Queria dizer que gostou dos nossos trabalhos na sua disciplina e que seria bom que fossemos ao Congresso Norte/Nordeste de Psicologia.
Esse foi meu primeiro café, meu primeiro Congresso, meu ingresso no mundo da pesquisa, de onde eu não saí mais, vieram outros cafés na cantina do Ipê onde ele vivia sorrindo e falando de árvores, dos pássaros, das lindíssimas teias de aranha que estavam por lá. Com certeza, esse homem marcou a minha vida”. Diz a Gabriela. Eu concluo lembrando que César me ensinou que seriedade profissional e bom humor podem andar juntos.
Sabemos que na Psicologia emoções e estados de ânimo negativos como raiva, ansiedade, tristeza, foram muito mais estudados do que emoções e estados de animo positivos, como alegria, gratidão e serenidade. Estamos aprendendo que o estudo e o cultivo das emoções positivas não são um empreendimento frívolo e que merecem mais atenção da nossa parte. Emoções positivas resultam numa ampliação dos estados cognitivos em oposição a uma visão afunilada em que Estados de ansiedade estreitam o nosso foco de visão.
O professor e pesquisador César Ades estava comprometido com a ampliação dos estados cognitivos dos estudantes, ajudando-os a encontrar sentido positivo nas circunstancias presentes, encontrando aspectos positivos na adversidade, conferindo-lhe significado e apresentando formas construtivas de solução de problemas. É só assim que nós vamos poder enfrentar coletivamente e com força os desafios do Século XXI.
Emoções negativas são adaptativas para enfrentar ameaças a curto prazo, enquanto as emoções positivas ampliam a atenção e encorajam a flexibilidade cognitiva, que potencialmente irá garantir o nosso sucesso enquanto grupo. O professor César nos contagiava com seu sorriso e sem que nós nos déssemos conta nos ajudava a ver a floresta e a escapar de visões afuniladas. Cabe a nós dar continuidade ao seu legado. Parabéns ao CFP pela criação do Prêmio Monográfico César Ades, Desafios para o Futuro da Psicologia.
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