“César queria uma psicologia comprometida com a construção do futuro em nossa sociedade” – Ana Bock, presidente do Instituto Silvia Lane
Em 1975 eu fiz o meu trabalho de conclusão de curso, estava terminando meu curso na PUC e era orientada em trabalho de conclusão de curso pela professora Maria Lúcia Ferrara, a Tutu, e ela naquele momento me autorizou a aceitar um convite de um orientando do César, que eu descubro agora que não era orientando do César, mentiu para mim a vida toda, o professor Lino Bueno, para realizar com ele e com o César um estudo na USP.
Então, um orientando do professor César Ades, professor Lino Bueno que era um amigo pessoal e fazia seu estudo na USP com o César e me convidou, mais algumas colegas, mais duas colegas para trabalharmos nessa pesquisa sobre comportamento exploratório e foi aí que eu conheci o César Ades. Aliás, a minha primeira publicação em Psicologia é uma publicação ao lado do nome do César Ades.
Foram 33 anos que separaram esse momento do convite que me foi feito pelo César, em 2008, no 12º Simpósio da ANPEP, em Natal, nos corredores do evento para pensarmos o futuro da Psicologia no Brasil. E topamos como Instituto Silvia Lane. César havia assumido o Instituto de Estudos avançados da USP onde ficou até janeiro de 2012.
Nosso evento, Para Pensar o Futuro, aconteceu em dezembro de 2011 no próprio IEA e tínhamos ainda muitas tarefas a realizar para finalizar aquela etapa, um primeiro passo muito pequeno que nós pudemos dar juntos em direção aos nossos sonhos.
Quero destacar dois aspectos dessa experiência com o César. O César como organizador do evento constituiu uma Comissão, que a gente chamou de Comissão Organizadora, que era do IEA, coordenado por ele, do IEA, eu e a professora Graça participávamos pelo Instituto Silvia Lane participava o Conselho Federal de Psicologia, através da professora Marilene Proença, em alguns momentos representados pelo Conselho Regional, a ABEP, pela professora Mônica Gianfaldoni e o Conselho Regional de São Paulo, pela Bianca. Foi convidada também a ANPEP, naquele momento, para compor a Comissão conosco.
Chegou a vir a uma reunião, mas a ANPEP não quis participar. Tínhamos que buscar juntos, como Comissão, nomes para fazer um convite que não poderia ser muito amplo, não havia dinheiro para isso. O sonho precisava começar pequenininho. César cuidadosamente percorreu com sua memória a Psicologia brasileira, e fomos então compondo um grupo de convidados para o sonho. Não ouvi nenhuma vez de César algum tipo de comentário, “este não serve”, “este não ajudará”. Todos eram colaboradores em potencial e com potencial.
César acreditava nas pessoas, via nelas sempre alguma qualidade, assim como acreditava na possibilidade, na nossa possibilidade de realizar com ele aquele sonho. César foi uma unanimidade na psicologia, não somente porque era gentil e competente, César era unanimidade porque acreditava e respeitava as produções de cada um. Via valor em todas as produções em Psicologia, umas mais, outras menos, todas faziam parte do cenário atual e, portanto deveriam ser convidadas para pensar o futuro.
Essa experiência foi muito interessante, era muito difícil reduzir porque, todos os nomes que surgiam da Psicologia o César achava que eram muitos bons e que a gente devia colocar, e foi muito difícil reduzir o grupo ao grupo que trabalhou naquele dezembro. Outro aspecto importante era exatamente esse, um cientista que cumpre seu papel de pesquisador, de perguntador, de curioso e se põe então a pensar o futuro.
César queria uma psicologia comprometida com a construção do futuro em nossa sociedade. A experiência do IEA lhe permitiu perceber que a Psicologia não tinha projeto de futuro, não tinha uma pauta para o futuro, não se dedicava a construir perspectivas para o futuro, isso incomodava muito, ele dizia: “Todas as outras áreas já fizeram suas reuniões”. Nunca acreditou que aquele lugar que nós constituíamos juntos fosse o único lugar para pensar isto, fazia questão absoluta de dizer que era um dos espaços para pensar o futuro.
Isso o César, nós como Instituto Silvia Lane e com certeza o Conselho Federal, o Conselho Regional São Paulo e ABEP que estavam conosco, pudemos ser tomados por aquela modéstia necessária, ao mesmo tempo em que tínhamos uma enorme dificuldade para sermos modestos porque estávamos com César Ades. Isso foi um privilégio muito grande, o evento aconteceu no final do ano de 2011, César cheio de esperança, cheio de alegria.
Como dizia Paulo Freire, “a esperança do César não era do verbo esperar, era do verbo esperançar”. César não esperava, César esperançava. Está sendo difícil esperançar sem a alegria, sem a coragem, a competência e a clareza de César, mas o Instituto Silvia Lane, diminuída a dor e o impacto e o susto desses primeiros momentos promete voltar para a tarefa que César nos deu.
Parabenizo o Conselho Federal de Psicologia por essa oportunidade, agradeço a possibilidade de vir contar essa pequena história que foi muito importante para todos nós no Instituto e tenho certeza, para todos aqueles que estiveram conosco naquele momento, e dizer que o título do Prêmio, Desafios para o Futuro da Psicologia é absolutamente adequado porque era esta a grande, o grande olhar para frente do César, era isso que ele pensava, era a tarefa a ser cumprida naquele momento para a gente poder colaborar e juntos podermos produzir um futuro para a Psicologia, tomado as rédeas na mão, muitas rédeas, algumas delas nas nossas mãos. Eu convido a todos a esperançar com César para o futuro da Psicologia.
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